Tommie Smith e John Carlos – Protesto nas Olimpíadas de 1968
O protesto de Tommie Smith e John Carlos nas Olimpíadas do México em 1968 tornou-se um dos momentos mais icônicos e simbólicos na história do esporte e da luta pelos direitos civis. Durante a cerimônia de entrega das medalhas dos 200 metros rasos, os dois atletas afro-americanos ergueram os punhos com luvas pretas no pódio, em um gesto silencioso de protesto contra a desigualdade racial nos Estados Unidos. Esse gesto, conhecido como a saudação do “Black Power” usada pelos Panteras Negras, reverberou mundialmente, simbolizando a resistência contra a opressão racial e marcando para sempre as Olimpíadas de 1968 como um palco de ativismo político.
Movimento dos Direitos Civis e Tensão Racial nos EUA
A década de 1960 foi um período de intensa turbulência social e política nos Estados Unidos, marcado pelo movimento dos direitos civis, que lutava para acabar com a segregação racial e garantir igualdade para os afro-americanos. Líderes como Martin Luther King Jr e Malcolm X inspiravam milhões de pessoas a se mobilizarem contra as injustiças sociais, enquanto manifestações, marchas e protestos exigiam o fim da discriminação racial.
Em 1968, o país ainda estava profundamente abalado pelo assassinato de Martin Luther King Jr. em abril daquele ano. A tensão racial não estava restrita às ruas e aos tribunais; também se manifestava no mundo dos esportes. Um movimento crescente, conhecido como o “Projeto Olímpico pelos Direitos Humanos” (Olympic Project for Human Rights), liderado pelo professor e ativista Harry Edwards, incentivava atletas a boicotarem as Olimpíadas de 1968 como forma de protesto contra o racismo e a segregação. Embora o boicote não tenha se materializado, plantou a semente para ações mais visíveis e significativas, como a de Tommie Smith e John Carlos.
O Protesto no Pódio de Tommie Smith e John Carlos
Em 16 de outubro de 1968, Tommie Smith e John Carlos competiram na final dos 200 metros rasos nos Jogos Olímpicos da Cidade do México. Smith venceu a corrida, estabelecendo um novo recorde mundial com um tempo de 19,83 segundos, enquanto Carlos terminou em terceiro, conquistando a medalha de bronze. O australiano Peter Norman, que apoiava o movimento pelos direitos civis, ficou em segundo lugar e também subiu ao pódio.
Durante a cerimônia de premiação, Tommie Smith e John Carlos usaram o momento para fazer uma poderosa declaração política. Quando o hino nacional dos Estados Unidos começou a tocar, ambos os atletas abaixaram a cabeça e levantaram os punhos com luvas pretas — o gesto do “Black Power”. Esse ato foi um protesto silencioso, mas visível, contra a opressão dos negros nos Estados Unidos.
Smith usava uma luva preta na mão direita e Carlos na mão esquerda, simbolizando a força e a unidade dos negros. Eles estavam descalços, representando a pobreza que muitos afro-americanos enfrentavam, e Smith usava um lenço preto no pescoço, simbolizando o orgulho negro. Além disso, ambos usavam distintivos do “Projeto Olímpico pelos Direitos Humanos”, mostrando sua solidariedade ao movimento. O australiano Peter Norman também vestiu o distintivo, em um gesto de apoio à causa dos colegas afro-americanos.
Punições a Tommie Smith e John Carlos
O protesto no pódio das Olimpíadas de 1968 foi recebido com reações polarizadas. Embora muitos ativistas pelos direitos civis e afro-americanos aplaudissem a coragem de Smith e Carlos, a resposta imediata por parte do Comitê Olímpico Internacional (COI) e de grande parte do público foi de condenação. O presidente do COI na época, Avery Brundage, considerou o gesto uma “manifestação política” inaceitável nos Jogos Olímpicos, que supostamente deveriam ser um evento livre de questões políticas.
Como resultado, Tommie Smith e John Carlos foram expulsos da Vila Olímpica e banidos das Olimpíadas pelo Comitê Olímpico dos Estados Unidos. Ambos voltaram aos Estados Unidos como heróis entre as comunidades afro-americanas, mas também enfrentaram intensa reação negativa, incluindo ameaças de morte e dificuldades econômicas. As suas medalhas foram confiscadas pelo governo americano.
A vida de Tommie Smith e John Carlos após o protesto foi marcada por adversidades. Embora continuassem suas carreiras no atletismo e em outras áreas, ambos enfrentaram dificuldades pessoais e hostilidades. A esposa de Carlos cometeu suicídio e Smith se divorciou. Tanto o Comitê Olímpico Americano quanto o COI jamais se manifestaram sobre as hostilidades sofridas pelos atletas.
“Tudo mudou para sempre. Recebemos ameaças de morte, cartas, telefonemas… Depois dos Jogos Olímpicos, todos os meus amigos desapareceram. Tinham medo de perder suas amizades brancas e seus empregos. Eu tinha 11 recordes mundiais, mais do que qualquer pessoa no mundo, e o único trabalho que encontrei foi lavando carros num estacionamento. Me mandaram embora porque meu chefe disse que não queria que ninguém trabalhasse comigo. Não queria que alguém que defendesse a igualdade de direitos estivesse em sua equipe. Todo mundo tinha muito medo. Meus irmãos foram expulsos do colégio.”- (Silent Gesture: The Autobiography of Tommie Smith).
Peter Norman
Peter Norman, o velocista australiano que apoiou o protesto usando o distintivo do “Projeto Olímpico pelos Direitos Humanos”, também enfrentou consequências em seu país. Embora tenha conquistado a medalha de prata, Norman foi marginalizado pela comunidade esportiva australiana por sua solidariedade ao protesto, e foi excluído das Olimpíadas subsequentes, apesar de ter se qualificado para competir. Peter Norman faleceu no esquecimento em 2006, contudo, em um gesto de grandeza, Tommie Smith e John Carlos carregaram seu caixão durante o cortejo fúnebre.
Legado e Símbolo de Luta pela Justiça Racial
O gesto de Tommie Smith e John Carlos transcendeu o esporte e tornou-se um símbolo poderoso da luta contra o racismo e pela justiça social. O protesto no pódio de 1968 continua a ser uma das imagens mais reconhecidas da história do esporte e dos direitos civis, representando a coragem de desafiar a injustiça mesmo diante de grandes riscos.
Ao longo dos anos, Smith e Carlos foram finalmente reconhecidos por sua bravura e o impacto duradouro de seu protesto. Em 2005, ambos foram introduzidos no Hall da Fama Olímpico dos Estados Unidos, e hoje o gesto do “Black Power” é lembrado como um momento de resistência heroica.
O protesto no pódio das Olimpíadas de 1968 continua a inspirar gerações de atletas a usarem suas plataformas para falar contra a injustiça. A coragem de Smith e Carlos abriu caminho para outros atletas, como Muhammad Ali, Colin Kaepernick e LeBron James, que também se levantaram contra o racismo e usaram seus sucessos esportivos para promover mudanças sociais.