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Contos de Fadas: De Crônicas de Horror a Histórias Infantis

Contos de Fadas: De Crônicas de Horror a Histórias Infantis

Uma ilustração clássica de Arthur Rackham, um dos mais importantes ilustradores da Era de Ouro da ilustração britânica. Seu estilo, que mescla o fantástico com o grotesco, captura perfeitamente a atmosfera sombria e mágica das versões mais antigas dos contos de fadas, antes de sua total domesticação para o público infantil. Fonte: The Marginalian.

Cinderela mutilava os pés das irmãs. A Bela Adormecida era violentada em seu sono. Chapeuzinho Vermelho morria devorada por um lobo. Não havia caçador para salvá-la. Essas não são versões deturpadas. São as origens reais dos contos de fadas. Longe das animações coloridas, essas histórias nasceram na tradição oral. Eram contos de adultos, repletos de violência e medo.

Histórias de Adultos, Não de Crianças

Os contos de fadas surgiram na Idade Média. Eram contados por camponeses em aldeias. Serviam como crônicas brutais de um mundo difícil. Havia fome, violência e opressão por toda parte. Portanto, os contos refletiam essa realidade sombria. Não eram entretenimento infantil.

A Voz do Povo

Antes dos livros, os contos eram transmitidos oralmente. Passavam de geração em geração. A maioria das pessoas não sabia ler. A vida era curta e difícil. Assim, essas histórias preparavam adultos para os perigos do mundo. Eram um manual de sobrevivência.

Elas não serviam para entreter crianças. Pelo contrário, mostravam a dura realidade da vida camponesa. A fome podia levar ao canibalismo. É o caso de João e Maria. A mortalidade infantil era alta. A violência era constante. Consequentemente, os contos eram sombrios e brutais.

Crítica Social Disfarçada

A floresta sempre foi um cenário central nos contos de fadas, representando tanto um lugar de magia e maravilha quanto de perigo e desconhecido. Esta ilustração vintage evoca a dualidade da floresta, um espaço onde heróis e heroínas são testados e onde o sobrenatural espreita em cada sombra. Fonte: The Marginalian.

A floresta sempre foi um cenário central nos contos de fadas, representando tanto um lugar de magia e maravilha quanto de perigo e desconhecido. Esta ilustração vintage evoca a dualidade da floresta, um espaço onde heróis e heroínas são testados e onde o sobrenatural espreita em cada sombra. Fonte: The Marginalian.

Além disso, os contos eram uma forma de protesto. No sistema feudal, criticar a nobreza era perigoso. Podia resultar em tortura e morte. Portanto, as histórias se tornaram um veículo seguro. Permitiam expressar revolta sem consequências.

Os vilões eram alegorias de figuras de poder. Uma bruxa má podia representar um bispo corrupto. Um dragão simbolizava um senhor feudal tirânico. Ogros representavam nobres gananciosos. Dessa forma, os camponeses expressavam sua revolta. Podiam fantasiar com justiça sem morrer por isso.

Símbolos de Opressão

Os dragões apareciam em brasões da nobreza. Quando eram vilões nos contos, representavam opressores reais. As bruxas simbolizavam o clero corrupto. Os gigantes eram senhores de terras tirânicos. Portanto, cada monstro tinha um significado político.

A Transição Para os Livros

Capa de uma edição ilustrada dos "Contos da Criança e do Lar" dos Irmãos Grimm. Jacob e Wilhelm Grimm foram pioneiros no estudo do folclore e buscaram preservar a autenticidade das histórias orais alemãs. Suas coleções são conhecidas por serem mais sombrias e violentas do que as de outros compiladores, oferecendo um vislumbre mais fiel das origens dos contos. Fonte: Amazon.

Capa de uma edição ilustrada dos “Contos da Criança e do Lar” dos Irmãos Grimm. Jacob e Wilhelm Grimm foram pioneiros no estudo do folclore e buscaram preservar a autenticidade das histórias orais alemãs. Suas coleções são conhecidas por serem mais sombrias e violentas do que as de outros compiladores, oferecendo um vislumbre mais fiel das origens dos contos. Fonte: Amazon.

A transformação começou no final do século XVII. Os contos passaram da oralidade para a página escrita. Consequentemente, começou sua domesticação. Dois nomes são fundamentais nesse processo. Mudaram para sempre essas histórias.

Charles Perrault na França

Charles Perrault foi o primeiro a coletar essas histórias. Era membro da corte de Luís XIV. Publicou sua coleção em 1697. Contudo, seu objetivo não era preservar a autenticidade. Queria agradar a aristocracia francesa.

Perrault adaptou os contos ao gosto refinado. Suavizou a violência. Removeu os elementos mais perturbadores. Adicionou uma moral explícita ao final. Assim, criou versões mais refinadas. Também censurou partes consideradas pagãs demais.

A Igreja Católica era muito poderosa. Perrault não queria ofendê-la. Portanto, removeu elementos que pudessem ser considerados heréticos. Foi ele quem nos deu Cinderela com sapatinho de cristal. Também A Bela Adormecida e Chapeuzinho Vermelho. Mesmo assim, suas versões ainda eram mais sombrias que as atuais.

Os Irmãos Grimm na Alemanha

Um século depois, os irmãos Grimm tinham outro objetivo. Jacob e Wilhelm eram linguistas e folcloristas. Queriam preservar a tradição oral alemã autêntica. Viam isso como a alma de seu povo. Portanto, foram mais fiéis às origens.

Publicaram sua coleção entre 1812 e 1815. Chamava-se Contos da Criança e do Lar. Era muito mais fiel às origens sombrias. Portanto, mantinha a violência original. Não havia censura excessiva.

Em suas versões, a madrasta da Branca de Neve dançava até morrer. Usava sapatos de ferro em brasa. As irmãs da Cinderela cortavam partes dos próprios pés. Tentavam caber no sapato. Pássaros arrancavam seus olhos no final. Embora os Grimm também tenham editado suas coleções, suas versões permaneceram mais brutais.

A Diferença Entre França e Alemanha

Os contos franceses de Perrault eram mais suaves. Tinham menos violência explícita. Os contos alemães dos Grimm eram mais sombrios. Mantinham a brutalidade original. Assim, cada país deixou sua marca.

A Domesticação Final

A passagem para o livro foi o primeiro passo. Depois, vieram mais mudanças. Ao longo do século XIX, os contos foram cada vez mais adaptados. A burguesia tinha nova sensibilidade sobre a infância. Queria proteger as crianças.

Removendo a Violência

A violência foi removida gradualmente. As ambiguidades morais foram eliminadas. Os finais felizes se tornaram obrigatórios. Consequentemente, as histórias mudaram completamente. Perderam seu caráter original.

Essa tendência atingiu seu ápice no século XX. Walt Disney criou adaptações cinematográficas. Cimentou a imagem dos contos como histórias inocentes. Eram agora apenas para crianças. A transformação estava completa.

O Que Perdemos

Ao transformar essas crônicas em contos de ninar, ganhamos entretenimento. Entretanto, perdemos uma janela para o passado. As versões originais são um artefato histórico importante. Revelam muito sobre a sociedade medieval.

Elas registram a mentalidade de pessoas comuns. Mostram seus medos e esperanças. Revelam um mundo muito diferente do nosso. Por trás da magia, carregam experiência humana crua. São um testemunho do poder da narrativa. Portanto, merecem ser estudadas e preservadas.

Essas histórias não apenas encantavam. Também protestavam. Ajudavam a sobreviver. Davam voz aos silenciados. Portanto, seu valor vai muito além do entretenimento. São documentos históricos valiosos.

Referências:
Schneider, R. E. (2009). Contos de fadas: de sua origem à clínica contemporânea. Psicologia em Revista.
Gray, R. (2009). Fairy tales have ancient origin. Recuperado de The Telegraph
Mattar, R. R. (2007). Os Contos de Fadas e suas implicações na infância. Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho.
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