O maior acidente radiológico do mundo ocorrido fora de uma usina nuclear não foi causado por uma explosão, mas pelo desconhecimento. Em 1987, em Goiânia, uma cápsula de Césio-137, abandonada em um hospital, espalhou um brilho azul mortal que encantou e matou, deixando um rastro de contaminação e dor que perdura até hoje.
Um Tesouro Amaldiçoado no Coração do Brasil
Em 13 de setembro de 1987, a vida em Goiânia, uma cidade no coração do Brasil, mudaria para sempre. Dois catadores de sucata, Roberto dos Santos Alves e Wagner Mota Pereira, em busca de material para vender, invadiram as ruínas do Instituto Goiano de Radioterapia (IGR). O local, abandonado, guardava um segredo perigoso: uma máquina de radioterapia. Dentro dela, uma pequena cápsula continha 93 gramas de cloreto de césio, uma substância altamente radioativa. Para os catadores, contudo, aquele objeto de chumbo e aço era apenas mais uma peça de metal valiosa.
O Brilho Azul que Encantou e Matou
Após levarem o equipamento para a casa de Roberto, eles começaram a desmontá-lo. Naquela mesma noite, ambos apresentaram os primeiros sintomas da contaminação: vômitos, diarreia e tontura. Contudo, ignorando os sinais, Roberto persistiu. Em 16 de setembro, com uma chave de fenda, ele finalmente perfurou a janela da cápsula. De dentro, um pó branco emitia uma fascinante e intensa luz azul. Fascinado, ele distribuiu o pó para amigos e familiares, acreditando ter encontrado algo mágico, talvez até sobrenatural. O brilho azul, na verdade, era a morte invisível se espalhando.
A Descoberta da Contaminação e o Pânico em Goiânia

O pó brilhante passou de mão em mão. Devair Alves Ferreira, dono de um ferro-velho que comprou a peça, levou-a para casa e mostrou a todos. Sua sobrinha de seis anos, Leide das Neves Ferreira, brincou com o material, espalhando-o pelo corpo e até ingerindo uma pequena quantidade. A tragédia se desenrolava em silêncio. Somente em 28 de setembro, quando a esposa de Devair, Maria Gabriela Ferreira, adoeceu gravemente junto com outros familiares, ela suspeitou que a “pedra brilhante” era a causa. Ela levou a cápsula a um posto de saúde, dando início à descoberta do pesadelo.
O Estádio Olímpico e a Triagem do Horror
No dia 29 de setembro, um físico confirmou os níveis alarmantes de radiação. O pânico tomou conta de Goiânia. Mais de 112 mil pessoas foram levadas ao Estádio Olímpico para serem monitoradas. A cidade se tornou palco de uma operação de guerra contra um inimigo invisível. Ruas foram interditadas, casas foram demolidas e toneladas de solo contaminado foram removidas. O acidente com o Césio-137 foi classificado como nível 5 na Escala Internacional de Acidentes Nucleares, o maior já registrado no Brasil.
As Vítimas e o Legado do Césio-137

Quatro pessoas morreram nas primeiras semanas, incluindo a pequena Leide das Neves, que se tornou o símbolo da tragédia. Seu corpo, altamente radioativo, foi sepultado em um caixão de chumbo, lacrado com concreto. Centenas de outras pessoas foram contaminadas e carregam até hoje as sequelas físicas e psicológicas do acidente. O Césio-137 em Goiânia deixou um legado de dor, mas também de alerta. A negligência e o abandono de material perigoso causaram uma ferida que o tempo não conseguiu apagar, um lembrete sombrio do perigo invisível da radiação.
