
Casa dos Vettii: Mansão de Ex-Escravos em Pompeia

Em janeiro de 2023, após 20 anos fechada, a Casa dos Vettii reabriu suas portas ao público. Conhecida como a “Capela Sistina de Pompeia”, esta mansão romana revela uma história fascinante. Dois ex-escravos construíram uma das residências mais luxuosas da cidade antiga. Seus afrescos coloridos e provocativos sobreviveram à erupção do Vesúvio em 79 d.C. Hoje, após uma restauração com tecnologia de ponta, as cores brilham como há quase 2 mil anos.
De Escravos a Comerciantes de Vinho
Aulus Vettius Restitutus e Aulus Vettius Conviva eram homens livres. Mas nem sempre foi assim. Ambos nasceram escravos na Roma Antiga. Porém, conseguiram sua liberdade ainda jovens, provavelmente aos 20 anos. Esta era uma prática comum na sociedade romana. Escravos educados em casas ricas tinham chances de ascensão social.
Os dois Vettii escolheram o comércio de vinho como caminho para a riqueza. A região ao redor de Pompeia produzia vinhos de qualidade. Eles aproveitaram esta oportunidade. Com trabalho e inteligência comercial, acumularam uma fortuna considerável. Não se sabe se eram irmãos de sangue. Talvez fossem apenas companheiros de escravidão na mesma casa. O que importa é que juntos construíram um império.
Gabriel Zuchtriegel, diretor do Parque Arqueológico de Pompeia, explica o significado desta história. “Os proprietários, homens livres e ex-escravos, são a expressão de uma mobilidade social que seria impensável dois séculos antes”, afirma. A Casa dos Vettii representa uma época de mudanças em Roma. Ex-escravos podiam se tornar parte da elite. Mas precisavam provar seu valor e riqueza de formas visíveis.
Uma Mansão para Impressionar
A casa ocupa cerca de 1.100 metros quadrados. Não é uma vila, mas uma domus urbana. Sua arquitetura segue o padrão das residências romanas ricas. Um átrio central recebe os visitantes. Ao redor, diversos cômodos se organizam. O peristilo, um jardim interno com colunas, era o coração da casa. Ali, 12 fontes jorravam água constantemente.
Os Vettii encheram sua casa com objetos de luxo. Esculturas gregas e romanas em bronze decoravam os ambientes. Mesas e banheiras de mármore enfeitavam o jardim. Móveis ornamentados mostravam o bom gosto dos proprietários. Cada detalhe foi pensado para impressionar os visitantes. Afinal, a casa era também um espaço de negócios. Clientes e parceiros comerciais eram recebidos ali.
Mas o verdadeiro tesouro da casa está nas paredes. Afrescos cobrem praticamente todos os cômodos. São 12 painéis principais com cenas da mitologia grega e romana. As cores vibrantes chamam atenção imediatamente. Vermelho, amarelo, azul e preto dominam as composições. Os artistas romanos dominavam técnicas sofisticadas de pintura.
O Afresco Mais Famoso: Príapo e Sua Balança

Átrio da Casa dos Vettii com vista para o peristilo, o jardim interno com colunas. Este espaço central era o coração da casa romana, onde os proprietários recebiam visitantes e clientes. A arquitetura revela o status social elevado dos irmãos Vettii.
Logo na entrada, um afresco choca os visitantes modernos. Príapo, o deus da fertilidade, aparece com um falo enorme. Ele pesa seu membro numa balança de mão. Do outro lado, um saco de moedas. A mensagem é clara: a virilidade e a riqueza se equilibram. Para os romanos, esta imagem tinha múltiplos significados.
Primeiro, Príapo era um protetor contra ladrões. Sua presença na entrada afastava o mal. Segundo, ele simbolizava a prosperidade dos moradores. Os Vettii ganharam muito dinheiro. Queriam que todos soubessem disso. Terceiro, a imagem tinha um toque de humor. Os romanos apreciavam piadas visuais. A balança era uma brincadeira com a ostentação.
David Potter, professor de história grega e romana na Universidade de Michigan, explica. “O que você está dizendo com esta pintura é: ‘Príapo cuida de nós porque fizemos muito dinheiro’. Mas com a balança, é também uma piada natural”, comenta. Para nós, a imagem parece chocante. Para os romanos, era apenas uma conversa interessante.
Mitologia nas Paredes

Parede com afrescos em tons de amarelo e vermelho na Casa dos Vettii. As pinturas retratam cenas mitológicas com figuras de deuses e heróis gregos. A técnica de pintura mural romana alcançou seu auge no século 1 d.C., como demonstram estas obras preservadas.
Os outros afrescos mostram cenas mitológicas elaboradas. Na sala de estar, Hércules criança aparece estrangulando duas serpentes. Este episódio da mitologia grega era muito popular. Demonstrava a força do herói desde o berço. Em outro painel, o deus Dionísio celebra com seus seguidores. Sátiros e ninfas dançam em cenas festivas.
Algumas pinturas têm conteúdo erótico explícito. Um pequeno quarto, talvez usado pelo cozinheiro, mostra um casal em ato sexual. Alguns estudiosos acreditam que este cômodo funcionava como um pequeno bordel. A prostituição era legal e comum na Roma Antiga. Casas ricas às vezes ofereciam este serviço aos visitantes.
Os Vettii usaram a mitologia de forma inteligente. Como ex-escravos, precisavam legitimar seu novo status. A cultura grega era sinônimo de refinamento em Roma. Mostrar conhecimento mitológico provava educação e bom gosto. Cada afresco era uma declaração: “Somos dignos de estar entre a elite”.
24 de Agosto de 79 d.C.: O Dia que Parou o Tempo
A vida dos Vettii e de todos em Pompeia mudou para sempre num dia de verão. O Monte Vesúvio, que dominava a paisagem, entrou em erupção. A explosão foi catastrófica. Uma nuvem de pedras, cinzas e gases subiu 33 quilômetros no céu. A energia liberada foi 100 mil vezes maior que as bombas de Hiroshima e Nagasaki.
Pompeia ficava a apenas 8 quilômetros do vulcão. Primeiro, caíram pedras pequenas chamadas lapilli. Depois, chegaram os fluxos piroclásticos. Estas nuvens de gases superaquecidos e cinzas desceram a montanha a 700 km/h. A temperatura chegava a 300°C. A maioria dos habitantes morreu instantaneamente. Seus corpos foram cobertos por cinzas.
A Casa dos Vettii foi enterrada sob 4 a 6 metros de material vulcânico. Mas este desastre preservou a casa de forma extraordinária. As cinzas selaram os afrescos. A falta de ar impediu a decomposição. Pompeia desapareceu do mundo por quase 1.700 anos. Mas permaneceu intacta, esperando ser redescoberta.
A Descoberta que Chocou os Vitorianos

Afresco detalhado na Casa dos Vettii retrata cupidos trabalhando em diversas atividades. Este tipo de cena era popular na decoração romana, misturando mitologia com cenas do cotidiano. As cores vermelho e preto contrastam com detalhes dourados nas figuras. Fonte: Smarthistory / Domínio Público
Em 1748, escavações sistemáticas começaram em Pompeia. Mas a Casa dos Vettii só foi descoberta entre 1894 e 1896. Esta foi uma das primeiras escavações usando técnicas arqueológicas modernas. Os objetos foram deixados no local original. Isto permitiu entender melhor o contexto histórico.
Os arqueólogos vitorianos ficaram chocados com o que encontraram. As imagens eróticas causaram escândalo. Segundo a revista inglesa “The English Illustrated Magazine” de 1896, uma pintura era “adequada apenas àquele período bárbaro da história europeia”. A solução? Cobriram o afresco antes de continuar a escavação.
Durante décadas, peças consideradas obscenas foram enviadas ao Gabinetto Segreto em Nápoles. Este “Gabinete Secreto” guardava arte erótica longe dos olhos do público. Apenas estudiosos com permissão especial podiam ver as obras. Felizmente, a mentalidade mudou. Hoje entendemos que estas imagens revelam a cultura romana autêntica.
Vinte Anos de Restauração com Tecnologia Laser
Em 2003, a Casa dos Vettii fechou para restauração. O trabalho levaria duas décadas. Os afrescos enfrentavam problemas sérios. No início do século 20, arqueólogos bem-intencionados cometeram um erro. Para proteger as pinturas do calor e umidade, aplicaram uma solução de cera e benzina.
Esta cera oxidou os pigmentos ao longo do tempo. As cores ficaram escuras e opacas. A poeira vulcânica grudava na superfície cerosa. Parecia que você olhava através de um plástico arranhado. Pior ainda, a cera não se expandia e contraía como o gesso. Com as mudanças de temperatura, surgiram rachaduras nas paredes.
A restauração moderna usou tecnologia de ponta. Lasers removeram cuidadosamente toda a cera e sujeira. Este processo se chama fotoablação. Ultrassom e imagens térmicas ajudaram a entender como as paredes estavam se deteriorando. Um novo sistema de drenagem foi instalado. O teto de concreto foi reparado. Cada passo foi planejado para não danificar os afrescos.
As Cores Voltam a Brilhar
Steven Tuck, professor de estudos clássicos na Universidade de Miami, visitou as salas restauradas. “As cores, a clareza — foi realmente maravilhoso”, relata. Os vermelhos voltaram a ser vibrantes. Os amarelos brilham como ouro. Os azuis têm profundidade. Os detalhes que estavam escondidos por um século reapareceram.
A reabertura aconteceu em 10 de janeiro de 2023. Visitantes do mundo inteiro voltaram a admirar a Casa dos Vettii. Muitos a chamam de “Capela Sistina de Pompeia”. A comparação faz sentido. Assim como Michelangelo cobriu o teto da capela com cenas bíblicas, os artistas romanos encheram a casa com mitologia.
David Potter planeja uma nova viagem a Pompeia. “Este trabalho de reconstrução da cidade é realmente importante. Ele permite que você sinta como as pessoas viviam lado a lado. Aqui, você pode realmente estar em contato com o mundo antigo”, explica. A Casa dos Vettii oferece esta experiência única.
O Que a Casa Revela Sobre Roma Antiga
A história dos irmãos Vettii nos ensina muito sobre a Roma Antiga. A sociedade romana não era estática. Mobilidade social existia, embora fosse difícil. Ex-escravos podiam prosperar. Mas precisavam trabalhar duro e ser inteligentes. O comércio oferecia oportunidades reais de enriquecimento.
A casa também revela os valores romanos. Riqueza devia ser exibida. Não havia vergonha em mostrar sucesso financeiro. A cultura e a educação eram importantes. Conhecer mitologia grega era sinal de refinamento. A sexualidade era vista de forma muito diferente da nossa. Imagens eróticas não eram obscenas, mas naturais.
Hoje, a Casa dos Vettii é um dos locais mais visitados de Pompeia. Turistas e estudiosos vêm de todos os continentes. Cada visitante se conecta com pessoas que viveram há quase 2 mil anos. Os Vettii queriam ser lembrados. Queriam que sua riqueza e bom gosto fossem admirados. Graças ao Vesúvio e aos arqueólogos modernos, seu desejo se realizou de forma extraordinária.